sábado, 27 de setembro de 2008

A meus amigos Capitu e Bento

Não é estranho que Capitu e Bento tenham se conhecido e imediatamente grudado um no outro. Primeiro como amigos e depois como namorados. Hoje, se casam. E pensar que tudo começou alguns anos atrás, na sala de aula da matéria “o libido na política internacional” da faculdade de Relações Internacionais, quando Bento, inspirado pelas lições aprendidas, pediu a Capituum lápis.

A ingênua pergunta escondia a tentação que Bento tinha por baixo da pele, o tremor quando olhava os negros e oblíquos olhos de Capitu. Foi justamente naquele momento que trocaram as primeiras palavras. Capitu, com sua forte personalidade e cabelos mechados, olhando o moço que lhe pedira um lápis, de corpo magro, lhe disse: “Desculpe, mas só tenho caneta.” Pedro gamou de vez. A caneta lhe serviu. Não só para a prova, mas para anotar o telefone de sua amada, que na época tinha namorado.

Bento sabia que teria que controlar seus impulsos. Muitas vezes, quando passavam o dia juntos, Bento não resistia e se aliviava ao chegar em casa. Às vezes, alivia-se no sonho. No sonho de Capitu beijando-o. O contato, os esbarros dos ombros quando andavam lado-a-lado pareciam dar choque em Bento. A tensão dos pequenos segundos em que os dedos, ou os ombros, se tocam revela a tensão sexual que muitas vezes a mente tende a esconder ou enganar. Não importavam os esbarros, Capitu era sempre controlada e falante. Justamente estas características que Bento mais admirava nela. Não interessava o quê, Capitu sempre tinha uma opinião a dar. O altruísmo das abelhas, o terremoto no Ceará, a última “bola fora” de Hugo Chaves, Capitu sempre opinava. Na maioria das vezes em sentido diametralmente oposto ao de Bento. E Bento adorava isso. Bento adorava discutir e negociar e tentar convencer. Quando insistia muito, Capitu dava-lhe logo uma cortada e isso, em Bento, atuava como um atrativo. Ele tinha que conseguir convencê-la. Se não da opinião, de discutir mais um pouco com ele. A verdade é que Bento nem escutava as opiniões de sua amada, o mover de seus lábios era deveras uma grande tentação.

Foi só quando as amigas de Capitu se interessaram por aquele moço, quase comunista, que tinha em Che Guevara um ídolo não-assumido, que Capitu, agora solteira, começou a olhá-lo com outros olhos. Seus cabelos curtos, seu nariz fino, mas marcante, seu corpo magro e esbelto. Cativante. Capitu admira Bento. Na praia, quando iam juntos, Capitu o mirava, sempre com a cerveja na mão, até que um dia olhou bem para Bento e disse: Você já teve vontade de me beijar?
Bento não acreditava no que escutavas. Nervoso, ainda na sua ingenuidade de menino moço de fora da cidade grande, mas com a safadeza de quem já morou em Juiz de Fora, respondeu: na boca?

Capitu encabulou-se, mas antes que pudesse responder, Bento já a beijava. Num caloroso e simples suspiro de amor, os dois se beijaram por muito tempo e, desde então, não se largaram mais. Amigos vieram e foram. Casais passaram pelos dois e se separaram. Pais. E os dois continuam ali, como se o primeiro beijo, o primeiro suspiro, estivesse sempre presente em seus dias.

Com os amigos, o mais novo casal se consolidou. Os amigos encontraram neles ombros para todas as horas. Bento, companheiro que se preocupa com você e não se apega aos deslumbramentos dos contos. “E você, como está?” Ciumento da Capitu e das amigas que vieram a compor o grupo. Sua irmã mais nova, não oficial, claro, que o diga. Maria está solteira até hoje. Será a madrinha de seu filho. Não que não tenham pretendentes, há. De montão. Um deles já tem o aval de Bento, mas espera o momento certo para declarar o seu amor. Para os amigos e amigas, Bento não é um pai. Não... o pai quer escutar o que v. tem a falar, estimular o debate. Bento está mais para um irmão mais velho. Quer sempre que sua opinião prevaleça e, não importa quem está certo ou errado, está lá para te defender. Normalmente sai com uma amizade, iniciada da maneira mais descrente. No fundo, Bento é realmente um amigo para todas as horas. Amigo para relevar as pisadas de bola dos amigos, amigo para chorar no ombro e amigo para ceder um quarto quando necessário. Amigão do Peito, com letras maiúsculas.

Capitu sabe disso. Ao morarem juntos, a relação dos dois se estabilizou ainda mais. Bento com seu grande coração compreensivo. Capitu com sua vontade de adotar as amigas. A-do-tar. Tomar como filho. Sofrer por elas. Essa é a Capitu. Com as amigas, isso mesmo, só amigas, porque Bento – muito corretamente – não deixa que Capitu tenha amigos – afinal, namorado de amiga, é amiga né?! – Capitu sempre tem uma palavra de conforto para falar, mesmo que seja para discordar ou reprimir. Sempre que encontra as “amigas”, Capitu as fazem sentir as pessoas mais lembradas. “Joãozinho, pensei em você outro dia!”. E ela relembra de um pequeno pedaço de uma conversa insignificante que teve com você há três meses, dando a entender que esteve presente e prestando atenção durante todo o tempo que estiveram juntos. Que todos os detalhes da sua vida importam. Falante, animada, agregadora. Querida Capitu.

Na última viagem que fizeram juntos, Capitu e Bento tinham começado a andar por uma cidade fabulosa, deixando-se levar pela noite, adotando itinerários diferentes, como se não tivessem lugar para ir. Como se o lugar para ir fosse justamente ali. O segurar das mãos. Os dedos entrelaçados. No caminhar pelo castelo de Budapeste, passando pela ponte das correntes, os dois sentaram-se nas pracinhas muito íntimas das crianças para se beijarem, olharem os rituais infantis da pedrinha e o salto sobre um pé para entrar no céu. E foi ali, naquele momento, com o tocar da música local e com o anel na taça de champagne, que Bento, do alto de sua mais formada opinião, perguntou a Capitu se ela lhe daria a sua mão em casamento. Ela deu.

Muitas viagens passaram. Búzios, Mury, Itamambuca, Arraial do Cabo, Iguaba Grande, Iguaba Pequena, Paris, Portugal, Viena. Muitos momentos também. Casamento. Almoços juntos, almoços separados. Chopes. De montão. Os dois sempre ali. Como Adão e Eva, sendo que neste paraíso o vinho é a cerveja. Salve a cevada! Salve Bento! Salve Capitu!

Depois de alguns anos de namoro, Bento deixou de ser tão radical. Deixou de usar as surradas sandálias Kenner para casamentos. Colocou até terno. É o efeito de Capitu. Ou de seu trabalho numa das maiores multi-nacionais do mundo. Capitu, tornou-se mais pé-no-chão. Menos elitista. Isso é cumplicidade. Motivação. Admiração. Amor. A causa de tantos efeitos.

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